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Abandono e agressão: a via crúcis de Tiago e a omissão das autoridades em Itapemirim

Em uma casa simples no Córrego do Ouro, interior de Itapemirim a família de Tiago Toffano de Oliveira, vive um pesadelo diário, refém da doença mental do filho e da omissão do poder público. Com 39 anos, Tiago, diagnosticado com esquizofrenia em grau elevado e deficiência intelectual grave, protagoniza um drama que expõe as graves falhas na rede de saúde mental e o descaso do Estado em cumprir até mesmo as próprias decisões judiciais. Seus pais, os idosos Joarez Gomes de Oliveira, de 80 anos, e Zélia Maria Toffano de Oliveira, de 65, clamam por ajuda enquanto convivem com a violência e o medo.

A rotina da família é marcada por surtos de agressividade. Tiago, que apresenta “alteração importante de comportamento” e “sem contenção para atos da vida civil”, morde, faz escaras, chuta e machuca os próprios pais. “A gente tem medo de ser morta”, desabafa a mãe, Zélia, que além de idosa, enfrenta a necessidade de uma cirurgia uterina e não tem condições de cuidar do filho em seu estado atual.

O caso de Tiago não é recente, mas a ineficácia do tratamento público é alarmante. Documentos revelam um ciclo vicioso de desassistência, com Tiago tendo sido internado dez vezes no Centro de Atendimento Psiquiátrico Dr. Aristides Alexandre Campos (CAPAAC) em Cachoeiro de Itapemirim, entre 2013 e 2025. Todas as altas foram “Alta Médica”, indicando que as internações, apesar de necessárias, eram curtas e insuficientes para estabilizar seu quadro complexo de esquizofrenia e deficiência intelectual grave.

A falta de um tratamento contínuo e eficaz obriga Tiago a frequentar o hospital “quase diariamente”, o que gera uma sobrecarga para os serviços de saúde do município, incluindo o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, que é acionado constantemente para lidar com seus surtos. Boletins de Atendimento de Urgência da UPA 24H Dr. Anis Nassif e outros prontuários médicos datados de 2023, 2024 e 2025, descrevem Tiago em “quadro psicótico”, “agitado”, “confuso”, “desorientado” e recusando a medicação. A mãe, exausta, relata a dificuldade em manter o filho medicado e a ausência de e do CAPS, evidenciando a falha na rede de atenção psicossocial.

O ápice dessa tragédia é a completa inobservância de uma decisão judicial. Em 22 de novembro de 2023, a Vara da Família, Órfãos e Sucessões de Itapemirim proferiu uma sentença que determinou a internação compulsória de Tiago Toffano de Oliveira em estabelecimento especializado. A decisão reconheceu a urgência do caso, a alteração de comportamento e a agressividade de Tiago, e explicitou a responsabilidade do Município de Itapemirim, com solidariedade do Estado, em providenciar o tratamento.

Contudo, o município entrou com recurso na justiça e o caso se arrasta. Enquanto isso sofrem todos, os pais, cansados e doentes e Tiago sem um tratamento adequado. O rapaz

ados mais de sete meses da sentença, Tiago continua em casa, sem o tratamento ideal, expondo a si mesmo, seus pais e a comunidade a riscos. Um laudo do Dr. Cícero Dutrayer Chicon, de 16 de julho de 2024, reforça a urgência, afirmando que a família “não se encontra em condições de cuidar do paciente” e que ele precisa de “residência inclusiva urgentemente”. A falta de cumprimento da ordem judicial demonstra um grave descaso com a vida e a segurança dos cidadãos, além de onerar ainda mais o sistema público com atendimentos de emergência que poderiam ser evitados.

O drama de Tiago transcende os muros de sua casa. O Boletim Unificado da Polícia Civil do Espírito Santo, registrado em 13 de maio de 2025, descreve não apenas as agressões de Tiago aos pais, mas também a hostilidade crescente da vizinhança. Relatos de vizinhos jogando cacos de vidro e bombinhas no quintal, e até mesmo de pessoas encapuzadas que invadiram a casa e agrediram Tiago, demonstram o clima de terror e a desesperança da comunidade, que, sentindo-se abandonada pelo poder público, age por conta própria.

A situação é um clamor por justiça e por um olhar humano do Estado. A história de Tiago não é isolada e reflete um problema sistêmico que precisa ser urgentemente enfrentado, garantindo o direito à saúde e à segurança para todos, especialmente para os mais vulneráveis.

Procurada pela reportagem do Jornal, a Prefeitura de Itapemirim, por meio das Secretarias Municipais de Saúde e de Assistência Social, informa que está acompanhando atentamente a situação da família de Tiago Toffano de Oliveira.

A respeito de Tiago, afirmou a Prefeitura que se trata de uma demanda judicial que envolve solicitação de internação compulsória, atualmente em grau de recurso. A execução da medida é de competência da Secretaria Municipal de Assistência Social, que está adotando as providências cabíveis, respeitando os trâmites legais e aguardando o trânsito em julgado da sentença. O caso também está sendo acompanhado pelo CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).

Quanto à mãe de Tiago, ela foi acolhida e devidamente atendida pela equipe do Hospital Infantil Francisco de Assis (HIFA). O prosseguimento da sua demanda está condicionado à agenda do hospital. A Secretaria Municipal de Saúde já está em diálogo com a Secretaria Estadual de Saúde para agilizar o procedimento cirúrgico necessário.

“Reiteramos que o município de Itapemirim segue comprometido com o bem-estar da família, mantendo o acompanhamento contínuo por meio da unidade de saúde de Garrafão, onde há registros e relatórios que comprovam os atendimentos e o e prestado. A Prefeitura reafirma seu compromisso com a transparência, o cuidado com os cidadãos e o cumprimento das responsabilidades legais e institucionais”.

 

O QUE DIZ A SESA

 

Secretaria da Saúde (Sesa) informa que trabalha na ótica do cuidado em Saúde Mental seguindo a Política Nacional de Saúde Mental, que visa garantir o cuidado às pessoas com transtornos mentais, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Explica que a porta de entrada da Rede de Atenção Psicossocial é a Atenção Primária em Saúde, ou seja, através das Unidades Básicas de Saúde dos municípios e territórios de origem das pessoas, e em se tratando de pessoas em situação de rua, também podem ser acionados os serviços de equipes de Consultório na Rua (CNR) que devem realizar o acompanhamento a esse público a qualquer tempo e realizar os encaminhamentos necessários a cada caso.

Os casos graves em saúde mental são encaminhados para  a atenção especializada e são atendidos através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) que, em suas diferentes modalidades, dão e para os demais pontos de atenção e realizam o acompanhamento de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

Importante ressaltar que os CAPs são de gestão dos municípios, mas que o Estado tem dado e para a atividade em algumas unidades. A Sesa já identificou a necessidade de ampliação do número de CAPs no Estado e vai investir na construção de novas unidades, junto com os municípios que aderirem ao projeto

Sobre o aumento de consultas especializadas, a Sesa ampliou a oferta, incluindo a modalidade de teleconsultas, incluindo a especialidade de psiquiatria adulto e pediatra. Essa ampliação vem ocorrendo em todo o Estado, através da regionalização do o, com os credenciamentos em todas as regiões de saúde.

Em relação a leitos, a Secretaria conta hoje com leitos psiquiátricos para adultos no Hospital de Atenção Clínica – HEAC e no Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos – CAPAAC, e leitos de saúde mental infanto juvenis no Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba). Além dos leitos próprios, a Sesa possui também leitos com a rede contratualizada e clínicas credenciadas para atender aos pacientes utilizando o Protocolo Estadual de Classificação de Risco em Saúde Mental para definição de prioridade clínica para internação.

 

 

 

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