
Prefeitura mantém obra da filha da vereadora em área de APP, mesmo com nota técnica ignorada e denúncia no MPES
A Prefeitura de Anchieta confirmou que seguirá permitindo a continuidade da obra de um imóvel residencial no balneário de Iriri, construída a exatos 3 metros do Córrego Iriri, mesmo com o alerta de que a redução da faixa de Área de Preservação Permanente (APP) desrespeita nota técnica da própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
A construção, de responsabilidade de Katia Mezadri, filha da vereadora Terezinha Vizzoni Mezadri, foi autorizada com base na Lei Municipal nº 1.674/2024, sancionada em janeiro, após aprovação unânime da Câmara Municipal. A lei reduziu de 30 para 3 metros a faixa mínima de APP, contrariando diretamente a recomendação técnica oficial, que apontava recuo mínimo de 5 metros em trechos ainda não canalizados do córrego.
A redação final da lei foi fruto de uma emenda assinada pela própria vereadora, aprovada em plenário no dia 19 de dezembro de 2023. A modificação foi incluída no Projeto de Lei nº 115/2023, originalmente encaminhado pelo prefeito Fabrício Petri com a proposta de manter os 5 metros recomendados tecnicamente. Após a emenda, a lei foi sancionada como está.
A equipe do Espírito Santo Notícias questionou oficialmente a Prefeitura de Anchieta sobre os impactos dessa decisão, e recebeu as seguintes respostas:
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“A documentação apresentada está em conformidade com a legislação ambiental do município, embasada pela Lei 115/2023 aprovada pela Câmara Municipal.”
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“A aprovação da lei, ainda que com mudança no texto original enviado pelo Executivo, garante a legalidade da obra.”
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“O assunto será avaliado por técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e da Procuradoria Municipal.”
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“A lei aprovada na Câmara sobrepõe-se à nota técnica.”
Apesar da resposta, a própria Secretaria de Meio Ambiente já havia informado em entrevistas anteriores que elaborou a nota técnica a pedido do Executivo, após estudo minucioso da área. A gerência de comunicação da Prefeitura chegou a itir que, mesmo com o erro no texto final da lei, o prefeito optou por não contrariar o Legislativo e sancionou a norma com base na decisão da Câmara.
“A Prefeitura fez a lei, a Câmara fez a modificação no texto, e a Prefeitura respeitou a decisão do Legislativo.”
O que diz o IEMA
O Instituto Estadual de Meio Ambiente (IEMA) também foi questionado e afirmou que não foi consultado ou formalmente comunicado sobre a alteração da faixa de APP em Anchieta. Em nota, o órgão declarou que a apuração de possíveis irregularidades no processo legislativo cabe ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES).
Ainda segundo o IEMA, o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) e a Resolução Consema nº 003/2021 exigem critérios técnicos e legais rigorosos para mudanças nas faixas de APP urbanas, incluindo participação social, compatibilidade com planos de drenagem e fundamentação técnica robusta.
“O IEMA permanece à disposição para colaborar tecnicamente quando for demandado formalmente pelos órgãos competentes”, finaliza o órgão.
A reportagem também encaminhou demanda à Câmara de Anchieta, com prazo para resposta até o dia 5 de junho. Foram feitas perguntas objetivas, como:
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Quais vereadores votaram a favor ou contra a lei?
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Houve parecer jurídico da Comissão de Meio Ambiente?
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Qual documento técnico fundamentou o voto dos parlamentares?
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Quem assinou os pareceres?
A assessoria da Câmara ignorou as mensagens de texto, recusou ligações e não respondeu ao e-mail. Até o momento, não há retorno institucional sobre os questionamentos.
A vereadora Terezinha Vizzoni Mezadri, autora da emenda que reduziu a APP para 3 metros, também optou pelo silêncio e não respondeu à demanda enviada diretamente a ela, que questionava a contradição entre sua proposta e a nota técnica da Secretaria de Meio Ambiente.
Denúncia protocolada no MPES
Diante da ausência de respostas, a jornalista Luciana Máximo, do Espírito Santo Notícias, protocolou uma denúncia formal no Ministério Público do Espírito Santo. O dossiê entregue ao órgão inclui:
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Cópia da Lei nº 1.674/2024
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A nota técnica do Meio Ambiente recomendando recuo mínimo de 5 metros
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A emenda assinada pela vereadora propondo a redução para 3 metros
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O histórico da obra e os impactos denunciados por moradores de Iriri
A comunidade de Iriri continua cobrando explicações e a retomada do projeto original, que previa a construção de uma praça pública no terreno onde a filha da vereadora agora ergue sua residência. A obra segue em andamento, com alvará vigente até 2026.